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Deserto do Saara: os Tuaregues

Por vezes, tenho vontade de largar tudo e ir viver no deserto! Quando o ritmo de vida é tão frenético, que sinto que as 24h de um dia não são suficientes para tudo aquilo que gostava de fazer, esse pensamento ocorre-me, perdida nas memórias de um final de tarde, no Saara.
Naqueles instantes, que pareceram fugir entre os dedos, como as próprias areias douradas, a vida permanecia quieta e intacta, num silêncio reconfortante que palavra nenhuma pode conseguir descrever. Que privilégio viver ali, num mar infinito de dias incontáveis!

Saara

Há alguns séculos atrás, os berberes, povos nómadas que habitavam Marrocos, espalharam-se pelos vários países de África, atravessando o deserto consoante a necessidade, sujeitos a violentas tempestades de areia, montando tendas e usando os dromedários como meio de transporte.
Sabiam que o camelo marroquino aguenta até duas semanas sem beber água?!

Marrocos

Desses povos, temos os Tuaregues, 'piratas do Deserto', 'homens livres', deambulantes sem pátria, que subsistiam da pastorícia, alguma agricultura e dos constantes saques aos viajantes e comerciantes que passavam naquelas rotas.
Inconfundíveis pelos seus turbantes azuis, tingidos com índigo e outras plantas naturais, acreditavam que o fino tecido de algodão protegia dos maus espíritos e, consequentemente, do sol intenso e das frequentes rajadas de vento; por esse motivo, também eram conhecidos como "homens azuis", pois diversas vezes o tecido desbotava e dava à pele negra um ligeiro tom azulado.

Deserto

Li há alguns anos, numa entrevista de um tuaregue que se instalara no sul de França, a importância do azul para os nómadas.
Explicava que era a cor do Mundo, do Céu - tecto de sua casa - onde não havia relógios, nem pressas, porque ninguém queria passar à frente de ninguém ou ser mais do que já era.
No deserto, dizia o muçulmano - que afirmava não saber a sua idade porque nasceu sem endereço ou documentos - apenas existe o Tempo e a única correria é para fugir às tempestades de areia.

Marrocos

A crença tradicional é de que a etimologia da palavra Tuaregue deriva de Tawariq, que significa "abandonado por Deus", um exemplo da desaprovação dos muçulmanos ortodoxos por este povo que, devido à sua natureza nómada, não praticava os tradicionais actos religiosos, como o Ramadão.
Hoje em dia, em Marrocos, muitos descendentes já se instalaram em pequenos oásis, com tendas e albergues, dedicando-se ao artesanato e aos passeios turísticos pelas dunas, mantendo a tradição de oferecer chá de menta aos turistas e promovendo as noites passadas no deserto do Saara, com direito a jantar de pratos marroquinos e danças típicas à volta da fogueira.

Marrocos

O que mais me enterneceu nesta viagem foi a amabilidade que tiveram para connosco, como se fôssemos todos parte de uma grande família multicultural. E é incrível, pessoas que nunca sequer foram à escola e entre si ainda falam línguas berberes, terem a capacidade de aprender a comunicar-se em vários idiomas para nos receberem.
Apesar de preservarem a escrita líbico-berbere Tifinagh, foi com desenhos na areia que o mais novo dos guias me explicou o mapa de Marrocos: de onde vinhamos, para onde íamos seguir e os imensos quilómetros percorridos pelas estradas do Médio Atlas. Ofereceu-nos algumas palavras em berbere, para levar de recordação, e uma casa na areia, tão efémera quanto a vida.

Deserto do Sahara

O sol deitava-se lentamente atrás das dunas, em todo o seu esplendor; estava na hora de descer do pedestal em que nos sentiamos colocados e voltar à terra firme, onde os dromedários, depois do descanso merecido, aguardavam.

Marrocos

O chefe do grupo, um jovem com não mais do que uns trinta anos, mas a pele endurecida pelo sol, perguntou-me se queria experimentar o Ski Marroquino na descida.
Não fazia ideia do que era, mas se é para viver a aventura, que seja completa! E foi com êxtase e alegria que nos colocou, a mim e ao meu marido, com as pernas entrelaçadas, numa manta que deslizou duna abaixo.

Marrocos

Ainda houve tempo para negociar umas peças artesanais, em mármore fossilizado, feitas pelo grupo, e montámos novamente nos camelos marroquinos. Desta vez, tiveram o cuidado de me escolher um bem menor, para facilitar a subida.
No caminho de volta às tendas, éramos seguidos por uma lua tímida, que ia despontando e ficando para trás, conforme avançavamos. Um cão que acompanhava o percurso, os guias que nos filmavam e fotografavam, conversa jogada fora.

Marrocos

Quando perguntei ao líder do grupo se gostava daquela vida, as lágrimas encheram-me os olhos com a resposta: "Aqui, no deserto, eu tenho tudo o que preciso para ser feliz... Tenho o Tempo, o Silêncio e a Liberdade. O que poderia pedir mais?! Não há nada mais precioso do que isto".
A felicidade é tão simples, que nós não a sabemos identificar... Foi preciso cruzar um continente para valorizar o que realmente importa e verdadeiramente faz sentido!

Marrocos

Há lições em que uma vida não é suficiente para aprendermos, mas tenho a certeza de esta é uma que nunca esquecerei... porque tenho o Mundo à minha espera e não quero desperdiçar nem um momento!

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